segunda-feira, 24 de maio de 2010

A cozinha de Bartolomeo Scappi

Quando vemos algo que consideramos ultrapassado, uma das formas de dizê-lo é usando a palavra ‘medieval’. Ao que dizem os historiadores, o termo é espelhado numa das épocas mais obscuras da Europa, também conhecida como Era da escuridão, crepúsculo, século negro, da peste..blá, blá, blá!

Bom, o fato é que nesse período ocorreram descobertas que ditaram o rumo do mundo como o conhecemos. A gastronomia e culinária, por exemplo! Você acha que surgiram do nada, o entendimento das carnes, molhos, a perfeita combinação de ingredientes que resultaria num bolo, torta ou pudim? Ora, bolas!



Nessa empreitada, 11 foram os mestres cozinheiros que se destacaram e mudaram para sempre a história da cozinha medieval: Taillevent, Maistre Chiquart, Jean de Bockenheim, Meister Eberhards, Maestro Martino, Antonio Camuria, Roberto de Nola, Cristoforo da Messisbugo, Bartolomeo Scappi, Marx Rumpolt, Lancelot de Casteau. Todos eles, entre os anos de 1380 e 1595, escreveram ou publicaram algo relacionado à alimentação.

Abri este post justamente para isso, para voltarmos no tempo, explorarmos uma época já enterrada sobre mil e uma camadas de sedimentos. Cada um desses chefs; vamos falar deles, seus livros, das pinturas e do passado. Como viviam as pessoas, o que faziam e porquê, é o que você verá neste espaço.




Vamos lá! Você que gosta de cozinhar ou que ao menos se considera um bom garfo, afirme agora que nunca se pegou pensando o que havia por trás das páginas e retratos! Os banquetes esplendorosos, regados a exageros e luxos que sequer podemos imaginar. Os pratos altíssimos e as aves assadas reconstruídas pena a pena parecendo reais às mesas. Frutas sobre imensas travessas de porcelana pintadas à mão, caindo das mesas enquanto os nobres se refastelavam sem um mínimo de polidez.






O homenageado de hoje é Bartolomeo Scappi (o nome é italiano e termina com ‘o’; não como muitos blogueiros grafam, aportuguesado, Bartolomeu). Nascido na Bolonha, foi lá também que o chef organizou em 1536 um suntuoso banquete ao Cardeal Lorenzo Campeggi em homenagem a Charles Quint. E a indicação não era pouca. Na época, Scappi era nada menos que o cozinheiro pessoal do Papa, uma espécie de personal chef.

A história, no entanto, ficou marcada quando da criação de sua obra e um dos mais importantes livros de culinária, ‘Opera’. Publicado em Veneza, ano de 1570, a obra reúne mais de 1000 receitas (eu queria pôr as mãos num desses; traduzido, é claro...e existe, viu?).






Em Ópera, Scappi apresenta as receitas ilustrando as cozinhas, os cozinheiros, utensílios e louças, tudo como uma espécie de diário da época. As receitas combinam seu conhecimento sobre gastronomia medieval - típica pelo excesso de especiarias e a constante nota agridoce - com novidades à Cuccina Italiana Renascentista: por exemplo, o emprego de açúcar em receitas de carnes e pescados e os primórdios da massa podre. Diferente do atual mundo americanizado, na época, Ópera contava apenas com uma singela receitinha de peru e mal compreendida dos peregrinos.




Obcecado por marinados, cozimento a vapor e banho-maria, Scappi compôs sua obra prima em 6 partes:




Primo Libro fala sobre a quantidade dos insumos nas receitas.







Secondo libro sobre receitas relacionadas a carnes, como suppa (sopas), minestra (cozido de feijão), molhos, massas e arroz. Há menção às carnes de vitela, cordeiro, fígado e todas as partes do porco.


Terzo libro ou libro quadragezimale tem receitas para a quaresma, à base de frutos do mar, peixes, vegetais, massas, frutas e ovos. Há também uma parte com 27 ilustrações de cozinhas.











Quarto libro, dellimbandire Le vivande (nome enorme) tem cerca de 8 menus por mês, além de 6 menus para a quaresma. É uma coleção impressionante das refeições que se fazia na época.



Quinto libro, libro delle paste (o meu favorito) fala de tortas de todos os tipos (carne, peixe, vegetais e frutas), pizzas, brioches e bolinhos. E pasmem, menção também à  primeira receita para uma ‘massa podre’ (inspirada na confecção de árabes da Andaluzia).



Libro sesto et ultimo de convalescenti traz receitas para os convalescentes, ou seja, doentes em necessidade de sustância. O livro acabou também sendo muito útil ao trazer receitas saudáveis.









Gastrônomo medieval, Bartolomeo Scappi era o equivalente de Antonin Carême durante a Renascença. Da mesma forma que Carême, deixou sua marca, algo que mais tarde viria também a ser deixado de lado pelas novas técnicas. A gastronomia medieval, por fim, seria desafiada pela nouvelle cuisine do séc. 17. Essa nova cozinha rejeitaria as notas adocicadas e a mistura de sabores. A partir daí, somente doces teriam açúcar e as receitas teriam menos especiarias.

Eis uma das receitas de Scappi! Esta aqui é para doentes, abaixo em suas palavras e a tradução:

Per far minestra di sparagi salvatici et domestici:
Piglisi la parte piu tenera, facciasi bollire nell'acqua calda fin'a tanto che divengano teneri, dapoi si facciano finire di cuocere in buon brodo di cappone, o di vitella, et con pochissimo brodo vogliono servirsi. Con li salvatici si puo cuocere dell'uva passa. Li domestici cotti che saranno nel brodo, et non disfatti si possono servire con sugo di melangole, zuccaro, et sale, et in giorno di magro, o di vigilta si terrà l'ordine de gli altri herbami. (Libro sesto, CIII, p. 413)


Para fazer uma sopa de aspargos cultivados ou selvagens:
Corte as partes mais macias e ferva-as em água quente até que fiquem macias. Finalize sua cocção num bom caldo de vitela e sirva com uma pequena quantia desse caldo. Aspargos selvagens podem ser cozidos com passas. Quando aspargos são cozidos em seu próprio caldo, eles podem ser servidos com suco de laranja amargo, açúcar e sal. (Libro sesto, 103, p.413)






6 comentários:

Carol Fernandes

Olá, meu querido, amei!!! Vc não tem idéia de como gostar de estudar, saber a origem dos pratos, o poqur das coisas! Sou muito suriosa e adoro ler sobre tudo! Estou, nesse momento sem tempo para ler todo o post, pois estou com uma festa de 1 aninho do meu neto, dia 30/05, e é lógico que a vovó aqui fará todos os doces e bolo e cupcakes e por conta disso o tempo para ler está comprometido, mas volto viu? Vou ler linha por linha e vou salvar, é claro, para montar um arquivo para mim!
Parabéns pela iniciativa e obrigada mesmo!
Beijos doces!

Glória

OIII, passei aqui rapidinho, nunca tinha vindo antes, mas peguei emprestadas todas as suas figuras para colocar no meu trabalho, depois passo com mais calma!! Adooorei

Unknown

Carol,

Obrigado pelo carinho! Espero que a festa tenha sido um verdadeiro sucesso Pelo que me disse, você deve ser uma confeiteira de mão cheia. Traga receitas, vamos trocar!

Bjo

Unknown

Oi, Glória! Fico feliz de ter sido útil. Você está fazendo um trabalho sobre Bartolomeo? Que legal! Espero que tire 10! A história da gastronomia é um tópico bastante emocionante, não?


Bjo

RIMBAUDELAIRIANAS

OLÁ, INTERESSANTE O SEU BLOG. A EDIÇÃO PRINCEPS DA "OPERA" DE BARTOLOMEO SCAPPI ESTÁ DISPONÍVEL NO SITE EUROPEANA. VC ESTÁ CONVIDADO PARA COMER UM PÃO QUE ACABA DE SAIR DO FORNO AGORA. "PÃO INTEGRAL DE MILHO COM HIBISCO E SEMENTES DE MOSTARDA TOSTADAS NO ÓLEO DE CANOLA".

Anônimo

Existe algum livro em português que fale de Bartolomeo Scappi?

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