quinta-feira, 30 de setembro de 2010

“Crítico gastronômico, chef, enólogo... O que fazer no mundo gastro?”


 Marcel Pitelli

“Você pode ser um crítico decente se tiver bons conhecimentos sobre cozinha, mas para ser realmente um bom crítico precisa ter conhecimentos sobre a vida”, assim proferiu Ruth Reichl em “Conforte-me com maçãs”. Se respondia ou não ao mercado do século XXI, o fato é que sua experiência já evocava a versatilidade da cena gastronômica, bem como todos aqueles que por ela se permitiam enfeitiçar. Dos que lidam com sabores e o que por trás deles se oculta, criticam ou apenas escrevem; no limite, pode ser que as mãos lhes sirvam a vários propósitos, mas em todos parece imperar um quê de curiosidade e outro ainda maior de hedonismo.

E que melhor forma de começar esta receita senão através daqueles que melhor vivenciam a filosofia? Seja auxiliando com a louça ou criando os primorosos cardápios hoteleiros por não menos que R$ 5.000,00, a máxima das outras profissões, aqui também prevalece: não é a grande maioria que consegue ir de um extremo a outro.

Deslumbrado pelos modismos de Blumenthal e Adriá, o hedonista cada vez mais exigente torna-se um prato cheio para as novas escolas de gastronomia; onde não só se aprende os processos físico-químicos e de temperatura dos alimentos, como também as últimas tendências em sua funcionalidade. Boa parte deles vem de famílias tradicionais - que têm na comida e na sucessão das gerações uma legacia -, ou simplesmente querem sair do lugar comum, de um arroz e feijão convencional para um risoto selvagem e feijoada branca. 

“Todo cardápio deve conter pratos que estejam de acordo com estilos de vida moderna. A frase mais comum que se ouve atualmente é que determinado alimento ou preparação possui um potencial fitoquímico na prevenção de alguma doença. O que a maioria desconhece são as técnicas adequadas para preservar estes princípios”.

Eis uma das inquietações do chef Renato Caleffi, que escreve enquanto comanda a cozinha orgânica do restaurante Le Manjue Bistrô, na Vila Madalena. Em busca de elementos inusitados, ele se depara com uma culinária brasileira esquecida ao tempo, entra num universo riquíssimo onde acaba cruzando o nacional ao estrangeiro e, sem que se dê conta, interpretando culturas, economias e várias outras esferas de conhecimento.

Mas se por um lado a gastronomia operacional pressupõe o conhecimento; por outro, daí também pode resultar um paradoxo, quando a busca por informação numa dita ‘era dos excessos’ talvez em nada sirva à sustentabilidade de um negócio. Ou, como queiram chamar, os conflitos que se deflagram através dos diferentes hábitos e poderes de compra entre sociedades e países, permitindo sim a prática da gastronomia, mas de forma alguma a sua popularização. 

Habituados a essas e outras questões, críticos de gastronomia como o espanhol Rafael García ou nosso aclamado Josimar Mello usualmente são confundidos a jornalistas. Vale lembrar, no entanto, enquanto um crítico pode se beneficiar da agilidade no discurso jornalístico, nem todo jornalista tem status de crítico. Confuso? Como veremos à frente, quem sabe uma terceira categoria possa esclarecer.

A convite de um estabelecimento ou mídia, o crítico tem presença como espécie de agitador cultural, avaliando a proposta, boa construção e composição de um prato, dele gostando ou não. “Já um food writer, escreve só sobre o que gosta”, aponta Rosa Maria Colaferri, diretora de relações institucionais da Universidade Anhembi Morumbi, que defende a formação em jornalismo e inspecionou detalhadamente a visita do ex-presidente americano Bill Clinton à universidade. 

Por seu lado, uma profissão ainda pouco difundida no Brasil, o food writer também pode se dirigir a revistas e sites. No entanto, dada sua polivalência, ele também se direciona ao mercado editorial quando da sua característica literária, informativa e comercial.

Num tempo onde a personalização e Steve Jobs vieram reinar, por certo não faltam pioneiros inaugurando páginas pessoais. Para a grande maioria, o jornalismo talvez nem soe imprescindível num primeiro momento, ainda mais com a decisão do STF de abolir a obrigatoriedade do diploma para o exercício. O fato, no entanto, é que para um mercado de trabalho onde função e funcionário determinam um ao outro o tempo todo, cedo ou tarde serão exigidas as técnicas que adquirimos tanto no processo de aprendizagem quanto na prática.

Como em toda área profissional, os pisos salariais variam muito, não só em função da categoria, mas também da qualificação e repertório do profissional. É exatamente aí que o profissionalismo no mercado editorial e/ou jornalístico, lidando com personalidades e estabelecendo contatos, separa os escritores convencionais dos críticos e food writers. Para ambos, por exemplo, a remuneração pode variar, desde o piso que se pratica ao jornalista (R$ 1.800,00*) em direção a maiores cifras, conforme o veículo de trabalho e quanto mais publicidade e divisão de lucros estiverem envolvidos.

Para quem deseja começar na área, aos montes despontam blogs curtidos em vários assuntos, relacionados diretamente ou não à gastronomia. Ou seja, não é raro encontrar aqueles que conciliam o hobby a uma retaguarda em Direito, Ciências Sociais ou até mesmo Engenharia. Ora, e porque não, usar o savez-faire a serviço próprio?

Tão importante quanto é definir seus objetivos e veículos de trabalho, adequar suas propostas a uma linha editorial e, acredite quem quiser, há quem defenda a representação através de agentes. Optando por temas diferenciados, que chamem a atenção e denotem personalidade, um freelancer pode ser muito mais bem sucedido do que questionando os editores por pautas. Soe heresia a muitos, o saber cozinhar talvez nem se compare à boa articulação ou parceria com um renomado chef para o lançamento de seu best-seller.

Pois se há tantas vertentes profissionais na gastronomia, por certo há tanto ou mais cursos e especializações. Em São Paulo, os cursos profissionalizantes e de foco em gestão de negócios destacam-se através do SENAC e da Universidade Anhembi Morumbi. Nesta, os tecnólogos vão de gastronomia, bebidas, confeitaria e panificação a uma pós graduação em padrões gastronômicos. Pólo freqüente para várias personalidades da área, a universidade possui em parceria com a Nestlé um Centro de Pesquisas em Gastronomia gestado pelo professor e pesquisador Ricardo Maranhão quem também encabeça o lançamento da Moquém, uma publicação gastronômica voltada aos alunos e o mercado, que resgata a brasilidade de forma única.

A FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado - também está lançando um curso de extensão na área, fora o MBA em gestão de luxo. Os valores não se diferenciam em muito do que praticam as duas primeiras instituições; ainda assim, vale lembrar sua reputação como forte pólo de tendências.

Por se tratar de um setor em expansão, a vinicultura, assim como a gastronomia, também é alvo das interpretações errôneas do mercado. É preciso ter cautela, por exemplo, com as nuances entre as categorias de enófilo (aquele que ama o vinho tal qual o gourmand idolatra a comida), enólogo (espécie de agricultor, que estuda o vinho, suas características químicas e terroir) e sommelier (que se usa de hospitalidade, harmonização e entretenimento para vender).

Ao contrário do que se pensa, a demanda pelo técnico em enologia não só parte dos restaurantes, mas também de importadoras, supermercados e grandes empresas. É no que aposta Alexandra Corvo, sommelier formada pela Ecole d'ingenieurs Oenologiques de Changins, na Suíça, que montou a adega do restaurante Figueira Rubayat e quem dirige a empresa Ciclo das Vinhas, especializada em cursos de vinhos para amadores e profissionais: “O Brasil ainda está numa fase experimental, precisamos desenvolver nossa viticultura e distribuição”.

Quanto ao salário inicial, está por volta de R$ 800, podendo variar em média para 2.700,00. Por se tratar de uma profissão ainda não reconhecida no país, os graduados em enologia tem a seu favor o registro no CRQ (Conselho Regional de Química). Já o sommelier, pode recorrer à ABS (Associação Brasileira de Sommeliers), que também oferece cursos.

Num pós-modernismo onde os críticos questionam a própria forma de se fazer a crítica, talvez não haja uma dita fórmula para o sucesso. Nesse sentido, o ano da França no Brasil talvez nos sirva a questionar a velha balança das hegemonias, de uma Nouvelle Cuisine inflexível para um fois gras com castanha do Pará. Mundo, enfim, onde a gastronomia funcional de Renato Caleffi coloca o prazer sensorial em contraponto às irascíveis dietas da beleza. Ainda segundo a diretora institucional Rosa Moraes, “mundo onde muitos vão comentar, mas poucos vão criticar”.



* Dados retirados do FENAJ, referentes a São Paulo com data base de junho.

Para saber mais sobre Alexandra Corvo e seu curso: www.alexandracorvo.com.br
Renato Caleffi e o Le Manjue Bistro: www.lemanjuebistro.com.br
Centro de pesquisas na Anhembi Morumbi: www.pesquisasgastronomicas.com.br



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Crítico gastronômico, percursos e percalços by Marcel Dias Pitelli is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas License.

2 comentários:

Tati Campêlo

Marcel, gostei muito do texto.

Me identifiquei na parte em que você fala da existência de diversos blogs relacionados ao assunto criados por pessoas com diploma até em engenharia, que é o meu caso.

Começei o blog esse ano, e estou gostando bastante de escrever sobre o assundo. Achei o texto muito informativo.

Att,
Tati Campêlo
www.gastronomiaefotografia.blogspot.com

Unknown

Ou, Tati! Obrigado! Fico muito feliz em saber que as pessoas não acompanham somente as receitas e fotos, mas leêm meus posts. Esse artigo eu escrevi para os profissionais e amigos. E que bom que ele também reflete as mudanças em sua vida.

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